quarta-feira, 24 de abril de 2013

Mais que bermudas, o que a primavera quer da gente é coragem



Ando preocupado esses dias. Tá tudo diferente. O sol tá nascendo mais cedo. Tá se pondo mais tarde. O vento tá soprando mais brando. A água cai em mim em gotas agora. As coisas estão mudando, eu consigo sentir. Mas não gosto de mudanças. Cada dia é diferente do outro. Cadê minha certeza? Cadê minha segurança? Cadê meu chão? 
Respira...
Acordo com o sol no meu rosto. Olho pro relógio: 6h30. Preciso comprar cortinas. Viro pro outro lado e volto a dormir. Quando acordo, estou atrasado. Fazer o que, né? Banho, roupa, comida e já to no trem. 
Na minha frente uma moça com botas, sobretudo, cachecol e luvas. Ao seu lado, um rapaz usando bermudas e óculos de sol. Tudo tão estranho. Isso não tá certo. Semana passada, ninguém ousaria sair de casa sem suas ceroulas e luvas, agora tem gente de bermudas. Que absurdo! Onde esse mundo vai parar? Meu coração começa a bater mais rápido de ansiedade. 
Respira...
A voz diz o nome da minha estação, chegou minha hora. Na rua nada de neve. Cinco dias já que ela não dá as caras. Foi embora sem deixar recado, parece até que fugiu. E agora, escuto pássaros cantando. Em minha frente, passa uma jovem mãe. Ela de vestidinho verde. O bebê, mais empacotado que não sei o quê. Não faz sentido! Simplesmente não faz!
Respira...
Minha mente tenta compreender isso tudo. Ela tenta se casar com o novo. Mas o medo de se decepcionar é grande. Se não gosto de mudanças, tenho especial desprezo por decepções. Essas não são bem-vindas nunca. Simplesmente não dá!
Sinto um peso constante dentro de mim. A cada dois passos tenho de parar e me lembrar a respirar. 
E agora tem essas tulipas vermelhas e amarelas que teimam em crescer. Coitadas. Vão morrer na próxima nevasca, vão ver só... Uma bicicleta passa voando em minha frente. Quase me atropela. O cara da bicicleta, de bermudas, solta um palavrão,  me gritando pra prestar mais atenção! Meu coração quase pula do meu peito de susto! Oxente! Ele que preste mais atenção! Vai pegar uma gripe, mostrando as pernas desse jeito!
Me recomponho do susto, apoiando minhas mãos nas pernas e respirando profundamente. Respira, Marcos. Respira... Por alguns segundos, vejo em minha frente um velho cansado, arfando por ar. Ele tem o rosto amargurado, e fechado. Olho pra ele e ele olha pra mim. Sorrio pra ele e ele sorri de volta. E então compreendo que é meu reflexo na vitrine de uma loja.
É isso, amanhã uso bermudas. 

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